domingo, 31 de março de 2013

Pesto de Grelos com Ovo de Folar

"Carnaval fora, dia santo em casa." É um ditado popular que o meu avô gostava muito de nos lançar quando nos queixávamos de chuva na Páscoa. Não é que a ele lhe interessasse muito o estado do tempo, o que queria mesmo dizer é que não podemos andar sempre em folias e que a vida está cheia de pequenos compromissos e cedências. Tal como o princípio de incerteza de Heisenberg nos diz que não podemos conhecer com precisão e em simultâneo a localização e a velocidade de uma partícula, o meu avô lembrava-nos que não podemos, no mesmo ano, andar na rua a festejar o Carnaval e a Páscoa!

Esta era uma das frases preferidas dele, a par do "Eu devia era ter nascido agora" ou "Eu devia era ter ido para padre", não que ele fosse muito devoto a Deus. Aliás, o meu avô não era pessoa de ir à missa, nem sequer no Natal ou na Páscoa. Não é preciso entrar numa igreja para celebrarmos o nascimento e a morte de Jesus Cristo, a Sua crucificação pode muito bem ser assinalada com a entrega de um folar às netas, ainda hoje cumprida, religiosamente, pela minha avó. 

E foi o folar deste ano que usei para esta receita, para aproveitar os grelos que sobraram do carneiro de Páscoa e os ovos do folar. Não vou colocar quantidades porque foi tudo feito a olho, seguindo o instinto e mergulhando os dedos... Esta foi uma das receitas que mais me maravilhou nos últimos tempos, pela forma espontânea como surgiu, pelo gosto e pela nova vida que é possível darmos aos restos. 

- grelos cozidos
- folhas de salsa
- alho (muita moderação na quantidade de alho, porque se exagerares sobrepõe-se a todos os outros sabores)
- pinhões torrados
- azeite de limão (se não tiveres usa azeite normal e um pouco de sumo de limão)
- queijo da ilha
- sal
- fatias de folar de Vale de Ílhavo, cortadas o mais fino que conseguires
- ovo de folar

1. No 1,2,3, coloca os grelos, as folhas de salsa, os pinhões torrados, o alho e o queijo da ilha. Tritura até obteres uma pasta grosseira. Tempera com sal.

2. Aquece o forno a 190ºC. Coloca as fatias de folar de Vale de Ílhavo num tabuleiro e leva ao forno até ficarem douradas. Retira as fatias do forno, esfrega um dente de alho cortado ao meio no folar e pincela com azeite. 

3. Dispõe as fatias de folar no prato ou travessa de servir, espalha o pesto e, por cima, coloca o ovo de folar aberto ao meio. Antes de levares para a mesa, polvilha com lascas de queijo da ilha e boa Páscoa.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Lágrimas de Limão e Morango com Merengue

Acho que foi António Lobo Antunes que disse que morremos quando deixamos de ser lembrados pelos outros... No caso do meu avô a melhor forma de o manter vivo é estando no seu quintal. No ano passado começámos a árdua tarefa de limpar o quintal, mas por motivos que não são mais do que desculpas nunca chegámos a terminar. Ontem passei a manhã toda no quintal à procura do Pancinhas, que decidiu pregar-nos um susto. Por momentos até pensámos que alguém o tinha levado durante a noite, para ser servido no Domingo de Páscoa. Ao final da manhã, depois de ter procurado em tudo o que era buracos e recantos lá apareceu o cabrito, vindo do nada. Devo dizer que procurar por ele encheu-me de tristeza, pela angústia de não saber do bicho, não saber se estava bem, se estaria preso nalgum sítio a precisar de ajuda, e por ver o estado de destruição em que a minha casa de infância - outro lugar cheio de histórias - se encontra.

Todos os dias, vindo no seu Fiat 127 verde, o meu avô ia a nossa casa, o seu ponto de passagem para as lides do quintal. Uma delas está bem presente, o sulfatar dos limoeiros. Depois de tirar o boné e de trocar de roupa, colocava a máquina de sulfatar às costas, subia o carreiro até ao topo do quintal e espalhava um líquido que eu achava estranho nos limoeiros. Uns meses mais tarde os limões eram limpos no pátio da casa velha, para posteriormente serem entregues em alguns mini-mercados locais, já que nós não conseguíamos dar vazão aos limões produzidos pelos cinco limoeiros. Destes cinco agora só resta um, que dá uns limões muito amargos, tal e qual o sabor da perda de alguém com um papel tão importante na nossa vida...

Para 20 a 25 lágrimas
Creme de limão (adaptado de Tartelette)
- 125 ml de sumo de limão
- raspa de 1/2 limão
- 125 g de açúcar
- 1 c. de chá de extracto de baunilha
- 3 ovos
- 2 c. de sopa de manteiga

- 300 g de morangos, arranjados e cortados em quartos (no caso de serem grandes)
- 150 g de açúcar
- 1 folha de gelatina
- 2 claras
- 120 g de açúcar

1. Num tacho pequeno mistura o sumo e a casaca de limão, o açúcar e o extracto de baunilha. Leva ao lume até o açúcar se dissolver. Entretanto bate ligeiramente os ovos. Assim que a mistura de sumo de limão estiver quente, retira do lume e verte um pouco por cima dos ovos, mexendo vigorosamente, para que os ovos não cozam. Junta os ovos à mistura de sumo de limão e devolve o tacho ao lume baixo. Mexe continuamente até a mistura engrossar, sem nunca deixar ferver. Retira a mistura do lume e adiciona a manteiga e envolve-a até que esteja completamente derretida. Passa a mistura por um coador e distribui o creme de limão pelas lágrimas.

2. Amolece a folha de gelatina num copo com água fria. Leva um tacho ao lume com os morangos e o açúcar, até o açúcar se ter dissolvido. Retira do lume e adiciona a folha de gelatina escorrida. Mexe bem e distribui os morangos por cima do creme de limão.

3. Bate as claras em castelo com metade do açúcar. Assim que tiveres as claras montadas, adiciona o restante açúcar e bate as claras até o açúcar estar bem incorporado. Passa o merengue para um saco de pasteleiro e cubra os morangos. Com um maçarico de cozinha queima ligeiramente o merengue. Serve e saboreia o contraste entre o doce e o amargo.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Risotto de Espinafres com Pinhões e Queijo de Cabra

Como as memórias que tenho do meu avô no quintal, de volta das suas árvores e plantas. O sol a queimar-lhe o rosto, mas sem perder o seu sorriso e o seu bom-humor. Ou as memórias trazidas pelos pinheiros, plantados por ele nos diferentes jardins da família, que se tornam mais reais quando como os seus pinhões, neste risotto simples e cheio de sabor...
Para aquecer 1 pessoa
- 1 mão-cheia de pinhões
- 2 c. de sopa de azeite de limão
- 1/2 cebola, finamente picada
- 1 dente de alho pequeno, picado
- 1/2 copo de arroz arbóreo
- 1 copo de vinho branco
- 1 púcaro de caldo de legumes
- 3 mãos-cheias de espinafres
- queijo de cabra esfarelado
- 1 c. de chá de raspa de limão
- 1 c. de sopa de queijo da ilha ralado
- 1 noz de manteiga

1. Aquece uma frigideira anti-aderente. Quando estiver bem quente, coloca os pinhões e deixa-os tostar. Não percas a frigideira de vista e vai mexendo, para que os pinhões tostem uniformemente. Retira os pinhões tostados da frigideira e reserva-os.

2. Na frigideira onde tostaste os pinhões, aloura a cebola e o alho no azeite. Junta o arroz e envolve-o bem no azeite. Quando os bagos de arroz estiverem translúcidos, adiciona o vinho branco e deixa evaporar. Assim que o vinho tiver evaporado, começa a adicionar o caldo, uma concha de cada vez. Vai mexendo até o arroz estar cozido, mas ainda al dente.

3. Mistura as folhas de espinafre e deixa-as ser abraçadas pela cremosidade do risotto. Retira do lume e junta a raspa de limão, o queijo de cabra, o queijo da ilha e a noz de manteiga. Deixa o risotto descansar, tapado, durante 3 minutos. Aconchega-te no sofá e saboreia-o ainda a fumegar.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Azeite de Limão

KISS... ultimamente tenho andado um pouco esquecida disto, de manter as coisas simples e de ser mais beijoqueira. 

Este mês fez 10 anos que o meu avô A. morreu, e pensei aproveitar para o recordar através dos alimentos que me trazem à memória todos os momentos passados junto dele e me lembram da pessoa que ele foi. Nunca fui grande beijoqueira, mas com ele era diferente, tornava-me mais meiga, mais afectuosa. Isso também acontece com a minha irmã J. e agora com a minha sobrinha - ai que vontade de a cobrir de beijos.

A pensar nele tinha planeado uma sobremesa espectacular, não na receita em si mas na forma e no significado "lágrimas de limão e suspiro". À primeira vista era uma sobremesa fácil de compor, mas o creme de limão não correu como queria... Ao ver o creme de limão longe daquilo que idealizei, senti-me desorientada e desanimada. Assim que desbloqueei, decidi não complicar e aromatizar o azeite da CARM que temos cá em casa com limão, usando limões do único limoeiro que se mantém do tempo do meu avô!

- azeite de boa qualidade
- cascas de limão (a quantidade depende da intensidade que quiseres)

Corta as cascas de limão em tiras muito finas. Coloca as tiras num frasco e cobre com azeite. Fecha e deixa aromatizar, num local sem luz directa, durante 1 mês. Ao fim deste tempo o azeite está pronto para o usares em saladas, crostinis, peixe ou até num bolo de azeite, e à medida que os dias passam o aroma a limão vai ficando mais forte.