Gosto de chegar a São Martinho do Porto de comboio. Não é a forma mais cómoda, nem mesmo a mais chique, mas é de longe a mais interessante. É tão bom poder olhar pela janela e ver as praias de arroz, enquanto vais ouvindo as famílias a tomar conta das carruagens. Mais os seus farnéis, os sacos dos brinquedos e os gritos das crianças. Todos preparadíssimos para um dia de praia no "bidé das marquesas".
Quando aqui passei as minhas primeiras férias não morri de amores pela vila. Achei que eram lisboetas a mais. Muito colégio privado, mas pouca educação. Muitos nomes sonantes, mas também muitas vidas de aparências. Lembro-me de as pessoas olharem para mim e para a minha irmã como se fossemos de outro planeta. Vinhamos do Norte, trocávamos o "v" pelo "b" e tratavamo-nos por "tu", coisa pouco conhecida nestas bandas, onde até o cão e o gato são tratados por "você". Enfim, betinhos de Lisboa... Só que como diz o poeta "primeiro estranha-se, depois entranha-se". Agora é raro o ano que não damos um salto a São Martinho, onde recordo com saudade aqueles dias de Verão.
Para um regresso ao passado o frenesim do 15 de Agosto é o ideal. Posso estar anos sem aqui vir, mas sei que quando regressar vai estar tudo igual. Vou ver os mesmos meninos burgueses, com as mesmas camisolas pelos ombros, a mesma calcinha beje, o mesmo sapato de vela e exactamente o mesmo penteado. Não sei se ainda se mudam para aqui de armas, bagagens e criadagem, mas sei que em São Martinho Agosto não muda, apesar da passagem dos anos. De manhã desce-se à baía, o final da tarde é passado numa das esplanadas da marginal a beber um fino, depois de jantar desce-se a ladeira até à Rua dos Cafés e quando a fome aperta vai de crise (salsicha, ovo estrelado e batatas fritas).
Dito assim até parece que é um sítio desagradável, mas não é! Não foi à toa que as antigas famílias abastadas de Lisboa construíram aqui os seus palacetes de Verão. Além disso, a par destes palacetes e da baía, a imutabilidade dá-lhe um certo charme. Adoro São Martinho! Até gosto dos dias de Verão enublados e de ouvir os miúdos de quatro anos a tratarem-se por você. E gosto também dos rituais que fomos criando com o passar dos anos.
Não podemos ir a São Martinho sem parar na Casa do Pão de Ló de Alfeizerão. Mesmo antes da entrada da A8 é a paragem ideal para um café ou um lanche antes de regressarmos a Aveiro. Se formos com os meus pais sei que quando acordar vão estar à nossa espera pães de leite fresquinhos, trazidos do mercado pelo meu pai. E, por falar em mercado, havendo tempo aproveitamos para ir à Praça da Fruta (Caldas da Rainha) para nos abastecermos de fruta e legumes.
Também é certo que vamos à Pastelaria Concha, uma pequena maravilha em bolos perto da igreja matriz. Aqui reina quase sempre a confusão (tens de tirar senha para seres atendido), principalmente ao domingo, antes e depois da hora da missa ou ao fim da tarde quando chega a hora de muitos regressarem a casa. Com ou sem confusão esta é uma paragem obrigatória para comer uma trança e trazer argolas (podes precisar de encomendar), miniaturas de palmiers, bolachas e areias para acompanhar um chá. Igualmente imperdível é o russo, a torta de chocolate e os palmiers recheados com creme de manteiga fresca, iguaizinhos aos que comia no ciclo e que me levam numa verdadeira viagem ao passado! Difícil é escolher o que comer...
Se procuras descanso e boa gastronomia São Martinho do Porto é um excelente destino de férias ou de fim-de-semana, mas se andas atrás de água e tempo quentes, então o microclima de São Martinho não é para ti, já que é aqui que o Inverno vem passar férias, com ou sem criados.